terça-feira, 8 de setembro de 2009

Lobo em pele de Cordeiro

Eu estava naquela dúvida: são tantos casos, por onde começar? Não sabia se começava pelo maior Cafa de todos ou se começava pelo Cafa mais recente. Só que nessa última semana, eu topei duas vezes - sendo que há muito muito eu não topava - com um tipo peculiar de Cafa: o Lobo em pele de Cordeiro. Porque mulher tem mesmo uma queda por Malandros, Cafajestes e Desajustados. Eu, por exemplo, tenho um currículo extenso em Desajustados, do tipo artistas ou maconheiros ou ambos. Quando um cara é Desajustado, ele não pode esconder isso por muito tempo. Daí, se a mulher persiste é por conta e risco dela. Malandros e Cafajestes, porém, são espécies mais dissimuladas e sorrateiras. E, dentre os Cafajestes, o Lobo em Pele de Cordeiro é, sem dúvida, o tipo mais sórdido.


Chamava-se Túlio*, tinha 31 anos e era advogado. Advogava tanto na iniciativa privada quanto na pública, e tinha um daqueles carros de quem está na crise da meia-idade. Só andava de terno, usava óculos, tinha uma filha e já havia noivado. Abria a porta do carro e pagava a conta. Eu pensei: Deus - e não Jah - escutou as minhas preces. Nem beber, ele bebia. Era escoteiro e jogava RPG há 15 anos.Tá certo: no princípio, eu achava que Deus tinha pegado pesado demais. Aquela velha história: tome cuidado com o quê você pede.


O cara era certinho demais e eu tenho alergia ao que é politicamente correto em demasia. Vá lá que eu queria me regenerar, largar a boemia e a putaria, mas aquilo me cheirava mais à punição que ao perdão. Eu achava isso até ir pra cama com ele. Porque este Cafa certamente entrou pra lista dos Top Five. Se houve algo que esse grande cafajeste me ensinou foi: quem vê cara não vê tesão e, muito menos, escrotidão. O Cara era bom mesmo, mas, infelizmente, ele sabia disso. Acredito até que ele colocasse o desempenho sexual dele no mesmo hall onde colocava o seu carro e as suas medalhas de escoteiro: o hall das vaidades. Ou seja, uma grande estupidez porque sexo é um diálogo e não um monólogo: é estúpido achar que você sozinho pode se garantir. Apesar disso, eu continuava dando loucamente pra ele e querendo dar ainda mais. Nunca era suficiente, e eu tenho quase certeza que ele achava que eu era uma ninfo de carteirinha. Eu conheço ninfomaníacas legítimas e garanto que não chego nem perto. O que ocorria era que havia mais de seis meses que eu não encontrava um parceiro com um potencial daqueles. E olhando pra trás, eu fiz a coisa certa: durou muito pouco pra eu ainda ter perdido tempo com atividades lúdicas ou conversas filosóficas.


O Lobo em pele de Cordeiro se infiltrou na minha casa, como um vírus: eu escaneei bem a cena antes, mas ele invadiu de qualquer jeito. Na primeiríssima vez que ele foi me buscar em casa, ele me perguntou se eu não ia apresentá-lo. Eu disse que era claro que não. Ele perguntou porquê: eu poderia apresentá-lo como um amigo. Eu respondi que era óbvio que, se fosse necessário, eu o apresentaria como um amigo e não como o cara pra quem eu estava dando. Mas não havia necessidade nenhuma. Na segunda vez em que ele foi me buscar em casa, eu liguei pra ele assim que saí do banho e pedi que me désse um toque no celular quando estivesse na porta de casa. Ele perguntou se não podia bater na campainha. Eu quis ser educada e disse que podia, mas deixei claro que era prefirível ele ligar no celular. O quê ele fez? Bateu na campainha, apresentou-se aos meus pais e ao meu irmão. Eu saí com ele à noite e voltei só no outro dia: ainda precisava dizer alguma coisa à minha família? 


E houve o dia seguinte ao dia que eu bodei e não fui numa balada. Saí da casa dele dizendo que eu ia e que queria que ele fôsse. Ele disse que não ia mesmo, que estava cansado. Eu não queria ir de carro porque estava a fim de beber e pedi carona a uma amiga. Ela demorou tanto a chegar que eu dormi. E quando eu durmo, o mundo pode se acabar: eu só vou acordar no além. Ele foi, encontrou minha amiga e eles ficaram me ligando freneticamente no telefone de casa e no meu celular. Nesse momento, ele aproveitou pra pegar meu telefone lá de casa, o qual eu não havia lhe dado. O celular descarregou e eu tirei o cabo do telefone. No dia seguinte, ainda de manhã, ele apareceu lá em casa sem ligar antes: leu o jornal do meu pai e comeu o pão-de-queijo da minha mãe. No meio-tempo, me perguntou porquê eu não tinha ido e nem atendido ao meu telefone. O que se pensa numa hora dessas? Estou namorando e esqueceram de me avisar. 


Normalmente, eu entraria numa crise de pânico, mas eu estava tão a fim do cara que resolvi encarar a bagaça. Aí foi o início de minha bancarrota: Cafajestes só lhe cortejam quando acham que você não está no papo. Se sentirem cheiro de paixonite, meu bem, prepare-se pra tomar aquele chá de sumiço. O cara me ligava todo santo dia. Eu lembro de um dia em que ficamos cerca de dez horas sem nos falarmos e ele me ligou perguntando se eu o havia esquecido. Quando ele ligava lá em casa e eu não estava, minha mãe anotava os recados, toda solícita e feliz por eu ter arranjado um cara decente. 


Daí, ele fez uma viagem à trabalho. Eram pra ser dois dias, mas viraram quatro. Até aí tudo bem, mas eu fiquei sem entender porquê nos falamos uma única vez nesses dias e fui eu quem ligou. Quando ele chegou, ele me ligou; mas eu perdi a chamada  e esperei dar a hora que ele saía da aula pra ligar de volta. Liguei três vezes, de dois números diferentes, com intervalos de uma hora: não é neurose não, é feeling. Ele retornou para o número que não era o meu, era o da produtora. Disse que ia me retornar sim, estava só retornando primeiro para os números desconhecidos. Mudou de assunto: vamos fazer alguma coisa, vamos sair. Eu disse que estava cansada, tinha trabalhado dez horas em pleno sabadão. Ele disse que era pra eu me animar: ele também precisaria trabalhar mais um pouco e me ligava assim que desocupasse, por volta de 11 da noite. Eu resolvi ir tomar umas com uma amiga, enquanto esperava a famigerada ligação. Três horas da manhã, eu não tinha recebido ligação nenhuma, e já estava numa festinha na casa dum amigo, bêbada e nadando na piscina de calcinha e top. 


No dia seguinte, à tarde, naquele misto de ressaca e mágoa, eu mandei uma mensagem: argh, chá de sumiço é azedo, não achei que esse tipo de coisa coubesse no seu cavalheirismo. Digam aí, fui até bem razoável. Ele não respondeu e só veio ligar na terça: eu estava no meio de uma produção de fotos dum evento e realmente não podia atender. Ligou uma vez só e eu pensei: não vou retornar tão cedo, vamos ver se ele ligou só pra constar nos autos. Eu estava certa. Retornei só na sexta. E no sábado. Já meio tarde, mas nem tanto: por volta de meia-noite. Ele não atendeu e não retornou. No domingo à noite, eu mandei outra mensagem, mais melodramática desta vez: eu estava sofrendo mesmo, porra. Ele não respondeu. Uns dez dias depois, eu conversando com um amigo, e este me disse: você fez tudo o que ele queria. Porque terminar por mensagem é, de fato, o jeito mais confortável possível. Eu catei o celular do meu amigo e liguei pra ele: é claro que ele atendeu. Disse que tínhamos que conversar, com certeza, como não, e que me ligaria pra marcarmos. Ele ligou pra você? Pra mim, não ligou não.

Três meses depois, eu topo com o escroto num barzinho dos mais alternativos. Ele estava bebendo, fumando igual puta no corredor da morte, e pegando uma pseudo-hippie bem baranguete. Teve a duríssima cara-de-pau de me cumprimentar e ainda ficava me olhando, o tempo todo, de rabo de olho. Não satisfeito, ainda encurralou um amigo meu num canto e foi dar a sua versão deturpada dos fatos. Gente, é um Cafajeste nato. Foi péssimo revê-lo: aquele rebuliço interno como se eu tivesse tomado a garrafada de banha de galinha, agrião e mel (que minha vó fazia quando éramos crianças e estávamos doentes). Na segunda vez, no entanto, foi mais tranquilo. E olha que foi dois dias depois, num butequinho sujo. Mas não deu nada: ele veio me cumprimentar de novo e eu dei aquele sorrisinho amarelo do tipo vai-chupar-prego.



Lobo em pele de Cordeiro: eu sobrevivi.