terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Garota esperta

Mesmo com um vocabulário amplo para uma criança de cinco anos, ela ainda não sabia o que significava a palavra charme. A ignorância semântica, no entanto, não a impedia de esbanjá-lo para todos os lados. Não era especialmente bonita. Mas era graciosa como ninguém. E já percebia, mesmo que ingenuamente, os efeitos disso:
- Manhê, todos os meninos da escola já pediram para namorar comigo, contou com um brilho nos olhos, enquanto almoçava com a mãe e o padrasto.
- E quem você escolheu?, perguntou o padrasto.
- Eu aceitei namorar com todo mundo que pediu, ué.
- Mas aí vira problema. Você tem que escolher um preferido, falou o padrasto em tom de sermão.

A mãe, que até então estava apenas rindo do atrevimento da filha, comentou quase que sem pensar:
- Nada disso. O problema surge justamente quando se encontra um preferido. 
A menina já desvencilhada da conversa por conta de uma borboleta que adentrou a sala, esqueceu logo o sermão do padrasto. Já havia decidido que namoraria com todos, afinal sua cabecinha ainda estava livre dessas limitações morais. O padrasto desistiu do embate com a esposa, pois sabia que escutaria muito além do que gostaria de ouvir. O mau humor durou até tarde da noite. Mas passou após a vitória do Fluminense contra o Flamengo. A mãe ainda ficou três dias com o olhar perdido. Perdido em uma saudade sem fim.


C.