domingo, 16 de setembro de 2012

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O que deu para fazer em matéria de história de amor
Livro monta e remonta histórias que compõem o quebra-cabeça do amor
Escrito por Claudia Nina em 16 de setembro de 2012
OPÇÔES
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“É nos detalhes que, tenho esperança, esteja o todo que busco. Este, privado daqueles, esfarela-se.” De farelo em farelo, somando as indecisões, os detalhes desimportantes (ou essenciais?), Elvira Vigna tenta falar sobre o amor – ou o que restou dele – neste inquietante romance.
Um dos títulos que melhor resume o estado dos afetos de hoje, o livro é uma tentativa de recomposição de uma história a partir de um esfacelamento de pontos de vista. Faz uso de personagens que já morreram para entender uma história, a sua própria, sem quase nenhum sucesso. Às voltas com uma arrumação eterna, em um apartamento que será vendido, ela desperta personagens mortos. E move-se em busca de outros cenários em outras épocas. Despertará também o amor?
Há tanto a se dizer sobre um romance cheio de reentrâncias, idas e vindas, jogo de caixas que são histórias, afetos que não são detalhes, imagens que são desenhos nascidos da mão que não consegue seguir uma linha reta, pois desiste sempre de chegar onde pensa que iria chegar quando deu início ao primeiro traço. “Ao começar, não sei como acabo, como ficarei, eu. É meu suspensinho particular”, diz a narradora.
Ela não tem nome. Mas sabe-se que namora um quase-afeto (não se cogita em amores inteiros aqui), chamado Roger. Ele é filho de Rose, uma das personagens sobre a qual a narradora vai falar no seu retorno a um cenário do passado – um antigo apartamento no Guarujá – onde viveram Arno, um artista plástico, Gunther e Ingrid.  Dois casais, uma traição. Uma história dentro da outra, e o passado, esmiuçado, é arrancado do presente como coelho de dentro da cartola do mágico.
Em busca de imagens perdidas – literalmente, pois o que procura é também um quadro de Arno deixado para trás – a narradora acaba encontrando surpresas. Uma das várias tarefas a que o romance se propõe é a de revelar exatamente o que há de melhor no jogo da prosa contemporânea: o imponderável. A tentativa (sempre frustrada) da reconstrução, sob escombros, é um palco dividido abertamente com o leitor. A narradora não sabe o que fazer nem aonde quer chegar. Também não tem ideia de como irá contar a história. Tampouco busca conclusões – “E eu preciso de uma história que não tenha acabado”. Texto de ironia sutil e um mau-humor idem.
Imagens bem construídas (Elvira é também desenhista, há que se lembrar) dizem muito de uma autora que sabe desenhar minúcias com grande habilidade: “Observamos o dia sumir. Sentadas no chão do chuveiro, às vezes choramos. Nada de mais, contentes até, por momentos, ao ver que lágrimas e água quente são uma coisa só que some no ralo”. Irresistível a referência aos amores (ralos) que igualmente somem (pelos ralos), assim como os dias, diante da impossibilidade das expansões amorosas – a menos que se queira inventar um amor – incluindo o que há de pior em cada qual e também o desejo de morte. O que se apreende, ao final, talvez seja que o mais importante é mesmo o dia que segue. Dar nome às coisas e aos sentimentos é complicado e absolutamente desnecessário.
TRECHO
“Faz frio. Desde que estou aqui, não tiro o casaco. Agora as coisas entram em um ritmo. Os períodos de silêncio se alternam com as marretadas no apartamento vizinho, com a bicicleta que vende bolos, e com o cachorro que, enfim, late, sempre que não há motivo. E mais: há um liquidificador pela manhã, em algum lugar. E grupos de pessoas que emergem, insuspeitadas, de shorts e casacos, e de chinelos. Vêm de dentro das casas que me pareciam vazias. São os moradores permanentes da cidade, que eu acreditava não existirem. Surgem como surgem zumbis em filmes de terror. Devagar. Me espanto com eles. Os observo com toda a atenção. São arnos e roses, vindos de São Paulo ou alhures, e dos mais variados feitios”.

O que deu para fazer em matéria de história de amor
Elvira Vigna
Companhia das Letras

Claudia Nina

Claudia Nina
Claudia Nina nasceu no Rio de Janeiro, onde mora. É autora de A palava usurpada (Editora da PUC-RS), sobre a obra de Clarice Lispector, tradução de sua tese de doutorado pela Universidade de Utrecht (Holanda), e de A literatura nos jornais (Summus), do livro infantil A barca dos feiosos (Ponteio) e do romance Esquecerte-te de mim (Babel).

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